21/04/2013

os despertadores apitam porque é agora o momento em que o tempo não passa e nunca foi verdadeiro, onde não há passado e o mundo enlouqueceu remoendo as mesmas mentiras bem escritas e estamos eu e uma velha abraçada no crânio rachado do marido há muito morto. cercamos uma mesa de cartas todas postas e estamos loucas, ela com seu cabelo espetado e sujo e o homem que nunca envelheceu, e supomo-nos no antro da existência, nesse momento em que somos caquéticas, ela de corpo e eu com a alma posta em espera vendo os ponteiros que não se movem. tenho medo, digo a ela, mas o medo já foi, e todas essas coisas que antes dizia e cabiam em linhas escassas hoje não sei dizer, ao que ela assente e não entende, como todos os psicanalistas do mundo e finge que sim, tudo bem, nunca vou dizer tudo. e ela chora e revira-se na cadeira e murmura que dez amores frustrados não doem tanto quando um nunca realizado, assim pela metade do mês da história da vida. E queria lhe dizer qualquer coisa reconfortante e inovadora que lhe iluminasse a vista mas tudo a velha já sabe, inclusive que já passou o ponto, o momento, o encanto e seguimos sentadas, as duas velhas tremulas e de estaticos olhares, esperando que o sol venha e o tempo passe, e queremos partir desesperadamente desse momento em que vivemos tão pequenas e caquéticas, tão loucas e paradas.

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