13/07/2013

Teus olhos são desses segredos
 que a razão da gente não dá conta de guardar
e têm rios que bicho humano nenhum se atreve adentrar
corredeiras infinitas desaguando no vazio
tudo que os ibéricos temiam navegar
cabe no teu olhar
Enevoado por tempestades que tu jurava pouco
olhos de animal perdido
que já aprendeu a caçar
com dentes muito brancos
aptos a tirar pedaços
e nunca mais voltar pra reclamar
a carcaça do que ficou.

30/05/2013

Nunca pronunciava-se sobre aqueles que a esquecerem e cuspiram nas faces palavras indóceis ou, pior de tudo, que, sem aviso prévio - fora esse pressentimento agoniante que a assolou por dias-, disseram até logo para nunca mais voltar. E jurou nunca escrever sobre ele, e esquecê-lo entre memórias em sépia, ou esqueceu de jurar justamente para não ter de policiar mais uma área do pensamento, que esse seu jeito de apagá-lo a cada minuto é nada além de mantê-lo, definitivo, em infindáveis noites de insonia rindo convencido de tê-la para si ainda por muito anos. Então o odeia pelo tempo necessário para sentir-se tola e jurar esquecê-lo, para rememorar-se em seu esquecimento febril de seus mínimos gestos e trejeitos. E diz assim que ele a levou uma crença abstrata que lhe nutria os dias de que tudo no fim dava certo, e passou a querê-lo já sem esperanças. E fica assim um cheiro de flores mortas sangue seco insetos esmagados entre os lençóis, livros, cadernos e alimentos como se tudo no quarto estivesse lenta e compassivamente destroçando-se. É que há tanto tempo o peito pequeno já não arfa com romantismos antigos nem os lábios finos proferem versos de Florbela ou Neruda que anda entristecida procurando explicações religiosas budismos espíritos e débitos antigos imemoráveis para não abandonar a si, mesmo que no fundo desconfie, graças a essas evidências mortes súbitas coletivas e abandonos inexplicáveis que Deus tenha morrido há alguns séculos em algum buraco da africa setentrional. E com a calma aparente de sempre disse-me que está presa as suas palavras ídolos literatura, e que a liberdade deve ser algo como vagar sem ninguém, sem nunca ter amado ou conhecido a dor, ou talvez tomado pela doença do esquecimento, sem buscar resposta alguma. Que as certezas nos apreendem como os feitos cotidianos pra fugir de si. E disse tantas outras coisas já tão velhas como só sei escrever sobre mim e quando morrer vou existir, morrer de amor é a derradeira libertação.

21/04/2013

Um dia Gullar falou que a gente precisa se surpreender pra escrever: enquanto os dias parecerem iguais e as pessoas as mesmas de um passado não tão recente, e as novidades parecerem pertencer aos museus de Cazuza, nada posso fazer senão ler jornais ver novelas e fugir todo dia de mim com as banalidades e emburrecer pra não perder a sanidade. e continuo cumprindo comigo mesma um velho acordo de não mentir para com o que sinto, e que esse vazio deve ser só um jeito de limpar o sótão pra que alguma coisa bruta e surpreendente surja no quintal. E quando quiser faço como Clarice disse e escrevo pra ninguém, que quando escrevo pra ti é porque não sou escritora igual Clarice, mas sei que você nunca vai ler. Ando meio cansada da vírgula, da pausa pra uma nova ideia compensadora, de exigir compreensão. To meio cansada e preciso aprender coisas pra nunca mais usar, subtrair essa profundidade dos dias que sinto como brisa velha, cheiro entre dois casacos guardados do ultimo inverno, um sentimento mofado que mingua no dia-a-dia. Sinto que os sentidos vão se perdendo e tenho uma urgência em expressar, e engolir tudo de uma vez pra não me vomitar em palavra. quem sabe isso me faça voltar a  escrever.
os despertadores apitam porque é agora o momento em que o tempo não passa e nunca foi verdadeiro, onde não há passado e o mundo enlouqueceu remoendo as mesmas mentiras bem escritas e estamos eu e uma velha abraçada no crânio rachado do marido há muito morto. cercamos uma mesa de cartas todas postas e estamos loucas, ela com seu cabelo espetado e sujo e o homem que nunca envelheceu, e supomo-nos no antro da existência, nesse momento em que somos caquéticas, ela de corpo e eu com a alma posta em espera vendo os ponteiros que não se movem. tenho medo, digo a ela, mas o medo já foi, e todas essas coisas que antes dizia e cabiam em linhas escassas hoje não sei dizer, ao que ela assente e não entende, como todos os psicanalistas do mundo e finge que sim, tudo bem, nunca vou dizer tudo. e ela chora e revira-se na cadeira e murmura que dez amores frustrados não doem tanto quando um nunca realizado, assim pela metade do mês da história da vida. E queria lhe dizer qualquer coisa reconfortante e inovadora que lhe iluminasse a vista mas tudo a velha já sabe, inclusive que já passou o ponto, o momento, o encanto e seguimos sentadas, as duas velhas tremulas e de estaticos olhares, esperando que o sol venha e o tempo passe, e queremos partir desesperadamente desse momento em que vivemos tão pequenas e caquéticas, tão loucas e paradas.