18/07/2012

Entre o angustiante e o insano



Tenho medo é da inspiração tardia, da tristeza improdutiva e do amor que não sinto. A angústia, semelhante a essas gentes cuja presença se acostume e tolera, contudo sempre a desejar calmamente que dê uma trégua, acomoda-se na poltrona e exige chá com uma boa reflexão que a procrie. Tenho medo mesmo é dessa paisagem interna que me absorve e, sempre que acordo, um tanto da vida passou. A companheira sorri e diz: eu não passo, eu fico. Tenho uma secura na boca, reviramento no estômago, os olhos tardios e parados, meio mortos, postos na discrepância, no inóspito e desinteressante. A velhice que os habita parece sempre pronunciar: tudo bem, podem ir, eu espero. Meus lábios movem-se num monólogo: tenho mesmo os olhos fechados, as pálpebras enegrecidas, as mãos paradas e frias postas sobre o colo, algodões a impedir que se desfaçam os pedaços. Esse é o retrato da minha alma. A angústia, em risadas convulsivas, satisfaz-se como num banquete, onde os corvos tocam clarineta enquanto o velório prossegue. Minha escrita de mau gosto satisfaz-me - e a ela  também -, então tudo vai bem. Respiro, e percebo quase com alegria que ainda o faço, enquanto minha imaginação volta para seu quartinho escuro, nos fundos de uma insana casa que curiosamente nunca explode. Os lampejos ocorrem-me e embebedo-me neles mesmo que custem horas de sono e psicanálise. E, além disso, reprimir os próprios demônios deve ser mesmo muito triste.

08/07/2012

Outros Tempos

Sou o mesmo cara observando os carros raros e lentos percorrerem a rua principal enquanto garotinhos observam, encantados, as pernas das putas. Há prazer nisso tudo, na forma em que as pernas são expostas no meio fio e o dinheiro é o único capaz de modificar o cenário. Os velhos passam, buzinam, elas guincham em risos exagerados os cigarros e conhaques que enfim poderão obter, pois o inverno adentra lentamente os portões da pequena cidade, em marcha implacável anunciada no jornal local. As ruas possuem o mesmo fluxo, as moças têm suas delicadezas guardadas e com seus cadernos em punho - após saírem de colégios católicos - e saias curtas, pressagiam, indiscretas, a passagem de rapazes loiros, musculosos, indiferentes.  A infância corre tão curta, desfilando nesse final de outono como todas as flores que tombam, secas e escuras, das árvores que de repente desfolham. As garotinhas, com suas tramas e histórias, parecem bonecas expostas em tristes vitrines, que em um futuro próximo farão parte da vida de incompletas adultas. Sigo escrevendo como se as moças corassem e fossem belas e puras como a aurora, ao mesmo tempo que sagazes a contrariarem a opinião torta dos homens, incapazes de enxergar as coisas por inteiro. E então pergunto-me: Onde estão todos os suicidas, escritores, ceguinhos - estes que veem em uma pedra lisa as asperezas da estrada desses caminhos que percorrem sozinhos? Onde moram as moças que nas fotos das paredes úmidas na sala de minha tia-avó, têm nos olhos parados a vaziez da espera? Onde estão as pessoas que fazem quem opta por solidão mudar de ideia? Onde está a obscenidade da nudez, que hoje é tédio nos carnavais? Onde estão as amarras das bocas dos padres, que aqui não tem o que pregar? Porém, nada disso aparenta importância enquanto os carros andam, os garotinhos olham, as putas guincham, os velhos pagam.

04/07/2012

Tuas mãos são nodosas e frias,
incandescentes e memoráveis
nas noites de meus dias
os teus olhos, duas brasas
apagadas antes do tempo,
com um único assopro do vento.

Minto, teus olhos são duas faíscas
por onde a alegria cruza
e esvai-se, nublando tua face
que torna-se oblíqua e ainda assim bonita

Teus dentes têm a alvura das estrelas
longes, inalcançáveis, puras
Distantes de minha mente incasta.

Teu corpo move-se entre os mortais
Tão distinto dos outros todos
Que é triste a alegria dos outros,
E encantadora tua tristeza.

No meu pensamento criam-se mil epifanias
Que emaranham-se em minha insônia
e preenchem minhas noites todas.

É que se eu pudesse, e só isso desejaria
te devolvia num único beijo
a alegria que alçou voo dos teus olhos
Como as borboletas que eram mais coloridas
Na tua infância quase esquecida.

E tudo isso soará tão romantico e antigo
que me calo no instante seguinte
arrependida do que quase digo.
Minha poesia soa torta
e leio admirada os que escrevem com maestria
as coisas que só sei dizer
sem rima, sem métrica, com ironia.

O lirismo é a única coisa
que faz-me odiar menos
música clássica, minhas roupas, o correr dos dias
as pessoas que não me apreendem
nem por um instante, ou compreendem

Temo a frieza que me cerca,
e o individualismo latente
e as pessoas espertas
que não entendem nada além de jargões

Temo acordar amanhã
sem querer ler Pessoa
E almejando dinheiro
como se a morte não existisse

Temo e no fim durmo
Acordo com as olheiras mais fundas
e os olhos impuros
De quem quer descobrir cada canto do mundo.