25/03/2012


Leio nos teus lábios ressecados um riso que é fadiga de dor, cansaço de mim. Subentendido em teu sorriso está o adeus cabível a quem não cabe em si. Transbordo um não entendimento próprio que não abre espaço a qualquer contato, a redoma que me cerca construí na descrença dos meus braços em abraços verdadeiros. Minha tristeza é um velho mendigo de barba vomitada, que nunca mais terá outra casa se não a imundice de ruas solitárias e invernais. Minha coragem são as rosas sangrentas que brotam do lado externo do muro que protege o mundo das minhas sujeiras escondidas sob largos tapetes negros. Sou o resultado dos naufrágios das saudades todas do que nunca tive.

13/03/2012


Quando triste desenho nas margens dos cadernos meninas sorridentes, bocas desfiguradas, olhos doentios, crânios desproporcionais ao lado de zumbis sedentos, de olhos vidrados, crânios partidos, mandíbulas esticadas. Os gritos se encontram nos meus ouvidos, o desespero nas minhas mãos, a imaginação me tritura a sanidade. Uma menina acuada berra e chora dentro de mim.
No quartinho dela minúsculo sustentado no vazio das minhas entranhas correm gotas escarlate de relógios derretidos, pregos dançam incessantes abrindo novos caminhos, enquanto eu, a sacudir todo corpo, sinto a menina pular corda e rir alto, cada vez mais alto do eco dos meus gritos de pavor todos engolidos no meio de qualquer uma das aulas. Minhas mãos pressionam o estômago, mas não é lá, e nem em qualquer outro pedaço palpável órgão tecido célula, ela nem eu sabemos onde é a sua casinha sem porta em algum ponto de encontro de todas as minhas viagens, meu derradeiro paradeiro.
A noite quando tento dormir, ela grita bem alto fica, fica, fica comigo não me deixe aqui onde não sei quem sou nem o que quero nem pra onde vou. Eu digo calma, querida, você não é a única. E nesses momentos chego a criar até compaixão, certo reconhecimento, empatia, com a tristeza da menininha que é minha e eu sou dela, que sem ela pra culpar pelas minhas insônias, se não é ela pra ser a minha loucura toda morando em uma casinha onde os relógios derretem, o que ia ser de mim? Também tô com medo, lindinha, deixa eu entrar no teu quarto? Deixa, deixa eu me encolher na tua caminha e pedir pra um Deus lá em cima que ninguém conhece que nem você, que ninguém sabe qual é o rosto, pra um dia eu ser eterna e plenamente feliz? Viu, sou burra, tola, romântica porque só assim me sinto por cima dessa merda toda. A igualdade me detesta, ou talvez seja o contrário.
E no outro dia saiba que ela grita, cada vez mais alto, implorando um socorro que nunca chega porque lá dentro do meu peito nada entra nada sai só a menininha que nasceu lá, nem eu nem ela sabemos porque ou como, que grita e esperneia em busca da salvação, assim como eu e você.

09/03/2012

Teus olhos e meus cacos


Saudade das coisas findas que nos teus olhos de azul fundo fingiam-se eternas. Olhos nos quais, quando atingidos pela luz do sol, nasce por dentro uma flor de azul claro que cresce até sufocar e matar a anterior, sendo essa a morte mais linda que eu já vi. Sinto falta de não querer nada que ultrapasse os limites da realidade, de um sorriso simples igual esse teu, como se tudo lá fora estivesse em perfeito equilíbrio, as criancinhas, os postes, os telhados, as sinaleiras, os muros, os risos. Sinto falta de uma leveza que perdi, aos poucos, assim como se extrai lascas da vagueza dos dias, das falas das pessoas, da feiúra de algumas coisas. Saudade do guri que tu era e não conheci, sem onda de dor nenhuma por dentro do mar que são teus olhos. Falta tenho é de um jeito meu de querer um presente e ele apenas, e do contentamento de pegá-lo nos braços, depois de porem em sua presença um preço. Sinto falta dos desejos compráveis e da pressa tola de decidi-los até o natal. Saudade do poder que nunca tive de engolir de uma só vez os meus choros guardados, risos escondidos, sorrisos mortos e todas as palavras que guardei pra não ferir e viraram cacos minúsculos a me arranharem a garganta por onde um dia almejaram sair. Queria mesmo mais que todas as coisas vomitar esse medo todo de viver.